segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

o despovoamento no interior do país

Quando alguém morre na aldeia, toda a população entra em vigília, pelo respeito aos mortos e pela amizade aos vivos, companheiros de anos e de desgostos. O abandono pelos seus, pelas duas gerações que os sucederam e que se foram embora, uma a reboque da outra - entretanto ocupados em gastar o que ganham na grande cidade - torna-os mais unidos. E a perda de um deles não se confina aos que lhe são chegados por família. É perda colectiva, é mais um vazio nas suas vidas já tão esvaziadas de objectivos e de alegrias. Lá se vão arrastando pelas ruas do povoado, num ruído surdo de bengalas gastas, em triste convergência para a pequena igreja onde os leva a obrigação e o respeito. É lá que começa a despedida ao finado, cumprindo-se o respeitável ritual do desfilar de memórias e de sentimentos, ao longo de toda a noite, em alternância com grandes e eloquentes silêncios, até que o dia chegue. É lá que prossegue o ciclo imparável do despovoamento. As flores acumulam-se, compradas com o pouco de quem nada tem. E ainda se reza na Aldeia, ainda se confia a Deus, com fé, a alma do que parte. Já não serão todos primos e primas – como verseja a popular cantiga – mas todos se conhecem e (quase) todos se respeitam, estimam e entre ajudam, num exemplo inútil aos ausentes. Falta-lhes tudo; os remédios e o médico a horas e até o Pároco, que lhes ouça os pecados e as queixas, que reparta, com eles, o pão e o sangue de Cristo e que, ao menos na morte, os acompanhe e os encomende a Deus, como deve ser. Ao fim e ao cabo são eles os últimos bastiões da defesa e da prática dos valores mais altos alguma vez conquistados por esta decadente civilização, cujas motivações colectivas maiores são... aquelas que justificam as maiores audiências das Televisões. Que se pense nisto com respeito pela nobre gente que resiste ainda nas Aldeias abandonadas do interior deste país.

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